28.7.11

Presente


Hoje recebi um presente muito lindo que quero partilhar aqui com vocês, um tanto encabulada.
Minha querida  Ale Blanco escreveu um post lindo no seu Comidinhas.
Ale escreve que é uma gostosura , e visitá-la  é sempre um prazer.
Hoje divido com vocês a minha emoção de me encontrar por lá.
Muito obrigada amiga.

23.7.11

Meu Panforte

Foto Augusto Bartolomei - Estudio Bê
Lembranças da infância, quando cercadas de cheiros e sabores, descortinam territórios de afeto. Como cozinheira, me vejo muitas vezes tentando resgatar esses gostos sutis e impalpáveis.   

Descendo de uma família de italianos, na qual as sobremesas eram quase sempre frutas. Cresci comendo pouco açúcar, que se fazia presente em alguns raros doces, marcados em minha memória.

Às vezes, alguém trazia da Itália um panforte, doce toscano da vila de Siena. Era uma celebração! As cozinheiras da família tentavam então reproduzir a receita original do festejado estrangeiro . Sempre me pareceu que o segredo se escondia na mistura de especiarias e frutas, em delicado equilíbrio para alcançar a harmonia. Com o passar do tempo, fui madurando minha própria receita de panforte.

Foto Augusto Bartolomei - Estudio Bê

Trata-se de um doce muito particular, porque não é bolo e muito menos pão. Suas origens são bastante antigas, remontam à Idade Média. O panforte tem uma consistência ao mesmo tempo firme e macia em seu aglomerado de frutas secas, mel e especiarias.

Acho esse doce muito intrigante. Ele tem uma “natureza” viva. A cada pedaço que mastigamos aparece um grupo de sabores, conforme provamos a amálgama da mistura. Sempre há uma surpresa. Talvez por isso o panforte tenha me fisgado desde criança. .

Quando resolvi comercializá-lo, adotei para meu panforte o mesmo nome de meu blog, Delícias & Paisagens . Guiados  pelos sentidos do gosto e do olfato, convido-os a visitarem paisagens distantes, reais ou imaginárias e torço para que nessa “viagem “se reencontrem com suas próprias  doces reminiscências.

Giovanna Garzoni - Limões e abelha (c. 1650)

16.7.11

Memória de Paisagens


Diz a lenda que vieram da casa de “Pederneiras”,  lugar mítico que jamais conheci, nem de longe, onde meu avô era o médico da pequena cidade. Minha mãe vivera ali a primeira adolescência nos intervalos de  férias do internato, na década de 30. Desde que me conheço por gente, volteavam e arrematavam um pátio da casa de minha avó, agora na Rua Pedroso, pois a acompanharam  na mudança para SP . Cresci olhando para eles . Eram azulejos art nouveau com relevos, compondo uma cena aquática onde cisnes branquíssimos nadavam em linha reta sobre ondas de um azul profundo, intercalados por nynphéas,  “vitória régias” francesas do fim  do século XIX. Seus tons  de azul e verde eram limpos e claros e me fascinavam.

Quando esta casa foi desapropriada e demolida para a construção do Viaduto Pedroso, os azulejos foram novamente retirados e transportados até a obra que minha mãe construía em uma chácara, estágio preparatório para sua aposentadoria. Alguns adornaram o banheiro e outros enfeitaram um poço que ficava num meio de caminho de jardim. Meus pais viveram alguns anos ali, até que,  depois de uma doença comprida,  meu pai morreu
Minha mãe, mulher seca,  forte, independente e mandona, resolveu continuar sozinha no mato. Os anos foram passando e essa opção foi se mostrando cada vez mais inviável. Até que um dia  a onipotência começou a dar espaço para o medo e a solidão gritou mais forte . Ela decidiu que era tempo de voltar para a cidade.A chácara seria vendida e a única coisa que pedi foram os azulejos.
Sabendo da sua antiguidade  , da beleza e do valor muito além do sentimental, comecei a pesquisar quem poderia ir retirá-los dali sem danificá-los. Enfim já eram relíquias !
Mas infelizmente não consegui ser mais rápida que o destino.
Certo dia, indo ver minha mãe, ela me avisou que eu devia passar com o carro pela garagem, que os azulejos estavam ali a minha espera. Solícita, havia mandado o caseiro com sua  marreta   e formão retirar todos eles para que eu os levasse.Quando cheguei à garagem, não podia acreditar no que via, cacos estilhaçados dos mais belos azulejos que eu havia visto na vida enchiam duas caixas. Não havia sequer um inteiro. Todos lascados, quebrados, desintegrados. Fiquei em estado de choque. O vazio foi tão imenso e profundo que não deu nem para chorar.
Eu não sabia naquele momento,  mas eram os primeiros sinais de Alzheimer que se manifestavam em minha mãe.