31.7.18

Eu me Encontrarei com meu Querido



                         



Vedrò Con Mio Diletto

Vedrò con mio diletto
L'alma dell'alma mia
Il core del mio cor
Pien di contento

Vedrò con mio diletto
L'alma dell'alma mia
Il core del quisto cor
Pien di contento

E se dal caro oggetto
Lungi convien che sia
Sospirerò penando ogni momento

Vedrò con mio diletto
L'alma dell'alma mia
Il core del mio cor
Pien di contento


Eu me encontrarei com meu querido,


Eu me encontrarei com meu querido,
(Que é) a alma de minha alma
(que é ) o coração de meu coração,
cheio de alegria.

Eu me encontrarei com meu querido,
(que é) a alma de minha alma
(que é ) o coração deste (meu) coração,
cheio de alegria.

E, se desse ser querido
distante convenha que eu esteja,
suspirarei, sofrendo, a todo
momento ...


Eu me encontrarei com meu querido,
(que é) a alma de minha alma
(que é ) o coração de meu coração,
cheio de alegria.


26.7.18

O Estilo - Herberto Helder

                                                                                                                                                 
                      



O Estilo

– Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio… Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso. Porque, sabe?, acorda-se às quatro da manhã num quarto vazio, acende-se um cigarro… Está a ver? A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa caída sobre a cadeira ganha um volume impossível, a nossa vida… compreende?… a nossa vida, a vida inteira, está ali como… como um acontecimento excessivo… Tem de se arrumar muito depressa. Há felizmente o estilo. Não calcula o que seja? Vejamos: o estilo é o modo subtil de transferir a confusão e a violência da vida para um plano mental de uma unidade de significação. Faço-me entender? Não? Bem, não aguentamos a desordem estuporada da vida. E então pegamos nela, reduzimo-la a dois ou três tópicos que se equacionam. Depois, por meio de uma operação intelectual, dizemos que esses tópicos se encontram no tópico comum, suponhamos , do Amor ou da Morte. Percebe? Uma dessas abstracções que servem para tudo. O cigarro consome-se, não é?, a calma volta. Mas pode imaginar o que seja isto todas as noites, durante semanas ou meses ou anos?
Uma vez fui a um médico.
– Doutor, estou louco - disse. - devo estar louco.
– Tem loucos na família? - perguntou o médico.
– Alcoólicos, sifilíticos?
– Sim, senhor. O pior. Loucos, alcoólicos, sifilíticos, místicos, prostitutas,homossexuais. Estarei louco?
O médico tinha sentido de humor, e receitou-me barbitúricos.
– Não preciso de remédios - disse eu. - Sei histórias tenebrosas, acerca da vida. De que me servem barbitúricos?
A verdade é que eu ainda não havia encontrado o estilo. Mas ouça, meu amigo: conheço por exemplo a história de um homem velho. Conheço também a de um homem novo. A do velho é melhor, pois era muito velho, e que poderia ele esperar? Mas veja, preste bem atenção. Esse homem velhíssimo não se resignaria nunca a prescindir do amor. Amava as flores. No meio da sua solidão tinha vasos de orquídeas.
O mundo é assim, que quer? É forçoso encontrar um estilo. Seria bom colocar grandes cartazes nas ruas, fazer avisos na televisão e cinemas. Procure o seu estilo, se não quer dar em pantanas. Arranjei o meu estilo estudando matemática e ouvindo um pouco de música. - João Sebastião Bach. Conhece o Concerto Brandeburguês n. º 5? Conhece com certeza essa coisa tão simples, tão harmoniosa e definitiva que é um sistema de três equações a três incógnitas. Primário, rudimentar. Resolvi milhares de equações. Depois ouvia Bach. Consegui um estilo. Aplico-o à noite, quando acordo às quatro da madrugada. É simples: quando acordo aterrorizado, vendo as grandes sombras incompreensíveis erguerem-se no meio do quarto, quando a pequena luz se faz na ponta dos dedos, e toda a imensa melancolia do mundo parece subir do sangue com a sua voz obscura... Começo a fazer o meu estilo. Admirável exercício, este. Às vezes uso o processo de esvaziar as palavras. Sabe como é? Pego numa palavra fundamental. Palavras fundamentais, curioso... Pego numa palavra fundamental: Amor, Doença, Medo, Morte, Metamorfose. Digo-a baixo vinte vezes. Já nada significa. É um modo de alcançar o estilo. Veja agora esta artimanha:

As crianças enlouquecem em coisas de poesia.
Escutai um instante como ficam presas
no alto desse grito, como a eternidade as acolhe
enquanto gritam e gritam.
(...)

- E nada mais somos do que o Poema onde as crianças se distanciam loucamente.

Trata-se do excerto de uma poesia. Gosta de poesia? Sabe o que é a poesia? Tem medo de poesia? tem o demoníaco júbilo da poesia?
Pois veja. É também um estilo. O poeta não morre da morte da poesia. É o estilo.
Está a ouvir como essas enormes crianças gritam e gritam, entrando na eternidade? Note: somos o Poema onde elas se distanciam, Como? Loucamente. Quem suportaria esses gritos magníficos? Mas o poeta faz o estilo.
Perdão, seja um pouco mais honesto. Seja ao menos mais inteligente. Vê-se bem que não sou louco. Eu, não. As crianças é que enlouquecem, e isso porque lhes falta o estilo.
Sabe do que estive a falar? Da vida? Da maneira de se desembaraçar dela? Bem, o senhor não é estúpido, mas também não é muito inteligente. Conheço. Conheço o género. Talvez eu já tivesse sido assim. Pratica as artes com parcimónia: não a poesia, mas as poesias. Cultiva-se, evidentemente. Se calhar está demasiado na posse de um estilo. Mas escute cá, a loucura, a tenebrosa e maravilhosa loucura... Enfim, não seria isso mais nobre, digamos, mais conforme ao grande segredo da nossa humanidade?
Talvez o senhor seja mais inteligente que eu.



Herberto Helder
Os Passos Em Volta
Tinta da China  2016

18.7.18

Passarinho




                                                                                                                                                                                                                                 



Passarinho
Tuzé De Abreu


Cantar como um passarinho
de manhã cedinho
Lá na galha do arvoredo
Na beira do rio
Bate as asas passarinho
Que eu quero voar
Bate as asas passarinho
Que eu quero voar.

Me leva na janela da menina
Que eu quero amar
Me leva na janela dela
Que eu quero cantar
Cantar como um passarinho
De manhã bem cedinho
Lá na galha do arvoredo
Na beira do rio
Cantar como um passarinho
Como um passarinho
Cantar como um passarinho
Como um passarinho.



Gal Costa - Passarinho- Tuzé de Abreu- Album  India - 1973