28.9.10

Domingo no Soho

Por Tanya Volpe

Antes de começar a contar esta história tenho que dizer que, se você chegou aqui agora, deve estar achando que eu sou a maior conhecedora de NY. Parece, mas de fato não sou. Meu assunto é a França, minhas viagens são na grande maioria para lá. É de la´que vem minha fonte de inspiração, pesquisa e conhecimento. Mas, ainda tenho algumas coisinhas para contar de uma viagem recente às terras americanas.


Tenho uma amiga que viveu alguns anos nos EUA.
Quando voltou trouxe na mala o hábito dos “brunchs”. Costumava convidar os amigos (vários) para longas jornadas gastronômicas com esse tema. Eu ficava sempre abismada com a produção! Coitada, era uma trabalheira insana das 11 da manhã às 7 da noite.
Era põe isso, tira aquilo. Primeiro turno, mais levinho (café da manhã) reposição, segundo turno (mais para “almoço”) reposição e assim seguia o dia com mesas sempre cheias e variadíssimas. Eu ficava tão aturdida que nem ousava oferecer alguma ajuda com medo de mais atrapalhar que ajudar.
Era um tour de force !
Pois ela nos acostumou mal !
Brunch para mim significava uma quantidade astronômica  de opções, doces e salgadas, leves e pesadas. Um mundo encantado que daria conta de todos os desejos.

Indo a NY, o paraíso dos “brunchs”, mal pudemos esperar a chegada do primeiro fim de semana para desfrutá-lo.
No “melhor” lugar! Antigo, antigo, eu sei, mas um “clássico” para isso, o Balthazar. Tinha que ser lá!
Sem reservas, esperamos por um bom tempo, que não foi desperdiçado porque usamos para dar umas voltas por ali, no Soho.
Chegamos famintos e para entrar no clima, pedimos uma coupe de Champagne e um Manhattan, lógico .
Analisando o menu não foi fácil ter que restringir o foco e escolher alguns pratos, com a lembrança daquelas maravilhas da amiga que servia um “brunch”  abrasileirado dispondo tudo sobre a mesa...
As numerosas opções  de ovos passeavam por várias receitas incluindo polenta , salmão defumado, boudin noir, (salsicha de sangue à moda francesa), e os famosos Benedict (ovos pochés servidos sobre muffin cortado ao meio e tostado, com uma fatia de bacon ou presunto e finalizados com molho hollandaise). Os ovos assim preparados são a mais pura expressão de um brunch novaiorquino. Diz  a lenda que eles foram criados no restaurante do Hotel Delmonico, cujo casal de proprietários Mr e Mrs LeGrand Benedict buscava com o maître uma preparação nova e inusitada para ovos.

Também contam que os ”brunchs” nasceram na Inglaterra no começo do século XIX  mas foram os americanos que o incorporaram a sua dieta de fim de semana. Agora que ovos e manteiga (Grâce à Dieu) foram reabilitados podemos todos nos beneficiar com prazer dessa alforria.
Com o avançado da hora estávamos mais para “lunch” que para “brunch”.
Aproveitamos para pedir um coquetel de camarão, prato extinto dos nossos menus e um salmão defumado servido à maneira judaica com ovo cozido passado na peneira, picles, cebolas e alcaparras.

O Balthazar segue um modelo de brasserie francesa e pedir comida que tem essa tendência sempre me recoloca no eixo. Por isso pedi uma quiche com salada e, como o coquetel trouxe um sentido de revival um Stroganoff, servido com massa fresca nos pareceu uma combinação bem interessante.

Um senhorzinho da mesa ao lado, puxou conversa , se interessou pelo casal de brasileiros e se tornou o fotógrafo oficial dessa nossa viagem. Foi o autor das únicas fotos da dupla dessa temporada.

80, Spring St
(entre Broadway e Crosby )
New York NY

14.9.10

Benvindos !!!

Benvindos a bordo, amigas e amigos!
Hoje convidamos vocês e esperamos que gostem das nossas proximas viagens.
Algumas já aconteceram, e os relatos podem ser vistos abaixo.
Venham conosco!
Tanya & Thea

10.9.10

Nas Bordas de um Sonho


Por Tanya Volpe
O chef Thomas Keller é meu ídolo na América. Tenho todos os seus livros e cada um deles é mais que um curso de cozinha em qualquer escola que eu conheço. É um dos cozinheiros mais criativos e pensantes da cena atual. Suas raízes estão firmemente ancoradas na França e é daí que ele parte para o uso das técnicas mais avançadas e criativas do momento.

É dele Under Pressure – Cooking Sous Vide, um dos livros mais importantes para se entender a evolução da cozinha nos dias atuais. Sous vide é uma técnica de cocção a vácuo, muito usada pelas indústrias de alimento há mais de 40 anos pois ela permite o processamento do alimento em larga escala e com segurança (previne a deteriorização, mata as bactérias etc.). Foi incorporada às cozinhas dos restaurantes mais recentemente.

Para mim é a verdadeira grande novidade em matéria de cozimento, a diferença que veio para ficar (e ainda com muitas chances de exploração). É essa técnica que determina o avanço da gastronomia para novas direções ao sinalizar uma nova maneira de usar o “fogo”, aqui no sentido de fonte de calor , com controle absoluto de temperatura.A importância de Ferran Adriá, segue para outra direção e é inegável, mas, fica no patamar dos gênios privilegiados.


O cozimento sous vide acrescenta a esse cenário a precisão, característica que também se espera da culinária profissional. Representa mais um degrau na evolução culinária, na busca da “perfeição”. Como todas as outras técnicas, trata-se de uma equação entre tempo e temperatura. Coloca-se o alimento em um saco plástico, retira-se o ar (faz-se o vácuo) e cozinha-se na água em temperatura que no geral não ultrapassa 85°C.Com esse procedimento, você pode cozinhar uma carne a 65°C, por 48 horas, tempo suficiente para deixá-la supertenra sem que cozinhe demais, passe do ponto e perca seus sucos saborosos.

Keller não é o único a usar o sous vide, mas se dispõe em seu livro sobre o tema a socializar todas as suas pesquisas, descobertas e criações. Ao mesmo tempo em que destrincha a técnica com riqueza de detalhes (aliás, característica de todos os seus livros), ele faz reflexões interessantíssimas sobre o ofício da cozinha. Não se esquiva de suas dúvidas e questionamentos: - ”No sous vide as cenouras saem sempre perfeitamente glaceadas, e aí reside o perigo. Técnicas que resolvem o seu problema sem que você necessite estar atento, eliminam o ‘fazer’, e quando você elimina o ‘fazer’, elimina uma parte da satisfação espiritual de cozinhar, a alma da cozinha”. E pergunta mais adiante: “Como podemos respeitar a tradição e abraçar o progresso?”

Muitas das receitas encontradas nos livros de Keller fazem parte da lista das minhas prediletas. Poderia citar de cada um coisas fantásticas, verdadeiras obras de arte na criatividade. No Under Pressure - Sous Vide, por exemplo, a receita de uma blanquette de veau “descontruída” (desculpem o termo) é uma obra de gênio!

As outras obras do Chef (French Laundry, Bouchon e Ad Hoc at Home) não são simplesmente livros lindos com fotos maravilhosas. Trazem as receitas superexplicadas, antecipando qualquer dúvida que possa começar a se formar na sua cabeça. Não são simples, claro, têm muita sofisticação, mas se você quiser fazê-las vai conseguir. Trazem um nível de detalhamento que encoraja.

Keller quer efetivamente partilhar conhecimento e incentivar a execução. Outro aspecto que me encanta nos livros é que ele sempre coloca em destaque, com direito a palavra, seus auxiliares, chefs e subchefs, além de fornecedores fiéis. Há a expressão de um reconhecimento de quem sabe que uma cozinha nunca se realiza isoladamente. Por tudo isso ele me é muito querido.

Thomas Keller tem nove restaurantes e padarias nos EUA. O French Laundry na Califórnia, classificado entre os primeiros do mundo. O per se em NY no mesmo nível. Também tem as brasseries Bouchon, de comida francesa, e o mais novo, o Ad Hoc, que procura reproduzir a comida caseira americana.

Tentei daqui fazer reservas para o per se. Lotado. Teria sido necessário reservar com oito semanas de antecedência… Para não ficar só frustrada, fiz o que era possível. Fui conhecer o Bouchon Bakery, sua padaria e “lanchonete” no terceiro andar do edifício da Time Warner (aliás, mesmo endereço do per se).

Não vou mentir: é comer em um shopping, um pouco mais resguardado é certo, mas ali, exposto. Mesmo assim valeu, como acho que vale para qualquer um que deseja conhecer coisas especiais.

Sabendo da sua formação francesa, pedi o patê de campagne de entrada, que chegou à mesa com esta apresentação. Nada mal para uma lanchonete, não é? E mais: como eu imaginei, estava delicioso. Pedimos um Sauternes gelado na jarra, na medida certa para uma tarde de primavera. Pelas janelas, o brique dos tijolos novaiorquinos e uma ponta de verde do Central Park.

Segui com salada de aspargos frescos, vieiras e folhas verdes, com um molho delicado de vinagre e salpicada de parmesão crocante. Depois um sanduíche de pastrame feito com carne de gado waigu, repolho doce azedo(chucrute), molho remoulade (uma maionese mais sofisticada com picles e outros temperos ). Tostadinho, especial!

Para finalizar lindamente, souflé de chocolate amargo quentinho servido com creme inglês de baunilha e, como estávamos na América, tivemos de pedir o sundae de sorvete de manteiga de amendoim e nibs (pedacinhos torrados) de cacau, mousse quente de chocolate, farofa de amendoins crocantes e chantilly!


No final, um café saboroso e a sensação deliciosa de ter olhado pelo buraco da fechadura da casa de meu ídolo.


Time Warner Center
Ten Columbus Circle, Third Floor
New York, NY 10019

Livros
French Laundry- ed Artisan
Bouchon- ed Artisan
Under Pressure – Cooking Sous Vide – ed Artisan
Ad Hoc at Home- ed Artisan

*este post foi originalmente escrito para o Fifties