Um
dos mais belos trabalhos de arte, criado nos últimos anos, está ameaçado de não
existir pela burocracia e ignorância humanas.
Jonas
Dahlberg, artista sueco, ganhou em 2014 por unanimidade, o concurso para criar um memorial para as
vítimas do massacre de 77 pessoas, a maioria crianças, ocorrido em 22 de julho
de 2011 na ilha de Utøya, na Noruega.
Imaginou
um "corte" na península onde ocorreu o massacre, uma fatia de 3,5
metros de largura entre a superfície da paisagem e a linha de água, na vila norueguesa
de Sørbråten , tornando efetivamente impossível chegar ao fim do promontório a
pé.
"Eu
não queria condenar o terrorismo e nem mesmo me confrontar com um trabalho
político. Eu tinha acabado de perder meu pai, e então senti a necessidade de
dar uma imagem à dor, à perda, a sensação de que algo irreparável havia
acontecido. E se há algo de irreparável, é a morte. " Diz Dahlberg.
E criou " Um anti-monumento
para nos mostrar que não precisamos de monumentos, mas um retorno para a função
mais importante da arte: a sua sacralidade cósmica." - nas palavras da
critica de arte italiana Alessandra Mammì.
Sob
ameaça de ação legal, o governo norueguês tentou transferir o projeto, conhecido
como Memory Wound para outro lugar, depois de uma feroz oposição dos moradores
locais, que fizeram campanhas por anos para bloqueá-lo, descrevendo-o como uma
"violação da natureza", uma "atração turística" e um
"monumento hediondo", de acordo com o site de notícias The Local. No
entanto, os residentes também recusaram uma oferta de reassentamento e agora
estão pressionando para que o projeto seja completamente desfeito.
Dahlberg
pediu um compromisso do governo para garantir a realização da obra artística. Em
uma longa declaração, ele descreveu as negociações públicas como "uma
parte importante do processo de luto", que o governo tem o dever de
realizá-las.
"A
maioria dos memoriais comparáveis, em outras partes do
mundo, passaram por períodos ainda mais longos de incerteza antes de serem
concluídos, em comparação com os cinco anos que se passaram desde os eventos de
22 de julho na Noruega", disse ele.
"Muitos
também foram cercados por discussões igualmente complexas. Supervisionar esta
delicada situação, e suavemente orientar a conversa, é uma responsabilidade do
governo".
Um
grupo internacional de artistas e curadores (*) lançou um manifesto defendendo
o Memory Wound ,de Jonas Dahlberg em carta aberta divulgada em 1/10/2016.
"A
instalação da obra de arte de Jonas Dahlberg, Memory Wound, em Sørbråten tem
causado um debate acalorado há algum tempo. O memorial estava programado para
ser concluído em 2015, mas agora está se transformando em um caso legal
difícil, comprometendo os planos para realizar uma das mais importantes obras públicas
de arte do nosso tempo, na região Nórdica, e uma manifestação crucial contra o
terrorismo. Não é de se estranhar que o projeto de um local com essa finalidade
seja acompanhado de debate; este é sempre o caso - porque há sentimentos fortes
envolvidos, e o propósito é manter a memória viva, e esta memória é dolorosa. As
discussões não são um problema; elas são uma parte essencial do processo, uma
estratégia para lidar com o evento.
O
propósito dos memoriais é precisamente preservar uma memória; viver com eles
nos permite processá-la. Em todo o mundo, memoriais provaram ter um efeito
curativo, não apenas nacionalmente, mas também na área atingida. O que
aconteceria se nos abstivéssemos de criar memoriais porque tínhamos medo de que
eles pudessem ser perturbadores? Que tipo de sociedade isso geraria?
O
trabalho de Jonas Dahlberg é uma das obras de arte mais poderosas nos países
nórdicos. Memory Wound é um corte na rocha, uma ferida na natureza. Para os caminhantes
ao longo do caminho , apresenta um lugar sereno e bonito para a contemplação,
entre o mar e as falésias. Jonas Dahlberg nos obriga a olhar para dentro, longe
da ilha, para que possamos acolher a maior tristeza dentro de nós mesmos.
Essa
obra de arte já está estabelecida nas mentes das pessoas em todo o mundo. Ela
foi publicada em jornais e livros, e discutida em locais de trabalho e em torno
de mesas de jantar. A razão para isso, é que ela capta de forma tão pungente o
evento para o qual foi projetada a lembrar, enquanto oferece um lugar para
lidarmos com a nossa dor. Isso é exatamente o que a arte é capaz de nos dar, um
relacionamento emocional com eventos tão brutais que se tornam impossíveis de
compreender.
Nesta
discussão, é vital lembrar que não é a obra de arte que é brutal, mas as ações
que contempla . Brecar essa obra é reduzir a magnitude do evento em si.
É negar às pessoas o acesso aos seus próprios sentimentos, recusar a elas uma reflexão
sobre o valor de uma sociedade democrática.
Apelamos
ao Governo Norueguês para que seja corajoso, e permita que Memory Wound se
torne um digno lugar de cura, através do processamento das feridas ao invés de
suprimi-las." (**)
E
eu digo : que assim seja.
|
Jonas
Dahlberg "Diorama" at Galerie Nordenhake, Stockholm,
Sweden, Images Courtesy of the
Gallery
|
(*)signatários
da carta originalmente distribuída por e-mail em formato PDF:
Miroslaw Balka, artist Warszawa, and
reponible for Estonia monument in Stockholm
Daniel
Birnbaum, director Moderna Museet Stockholm
Konrad
Bitterli, vice- director Kunstmuseum St.Gallen
Iwona
Blazwick, director Whitechapel Art Gallery, London
Ina
Blom, professor, IFIKK, Institutt for filosofi, ide- og kulturhistorie og
klassiske språk Oslo Universitet
Mikkel
Bogh, director Statens Museum for Kunst, Köpenhamn
Manuel
Borja-Villel, director Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Madrid
Gerard
Byrne, artist Dublin Dan Cameron, curator Prospect I and II, Cuenca Biennial,
New York
Lauren
Cornell, curator New Museum, New York
Florence
Derieux curator Centre Pompidou Foundation Paris og New York
Claire
Doherty, director Situations Bristol
Olafur
Eliasson, artist Berlin
David
Elliott, curator, previously director Mori Art Museum Tokyo
Charles
Esche, director Vanabbe Museum
Dora
Garcia, artist and professor of visual arts, Kunstakademiet Oslo
Eva
Gonzales Sancho, curator, previously director for FRAC Bourgogne
Leevi
Haapala, director Kiasma Hesinki
Tone
Hansen, director Henie Onstad Kunstsenter Oslo
Sofia
Hernandez Chong Cuy, curator CPPCA (Art and Ideas from Latin America), New York
Alfredo
Jaar, artist New York
Hicham
Khalidi, associate curator Fondation d'entreprise Galeries Lafayette, Paris
Magdalena
Malm, director Statens Konstråd, Stockholm
Chus
Martinez, curator Institute of Art at FHNW Academy of Art and Design, Basel
David
Neuman, director Magasin 3, Stockholm
Isabella
Nilsson director Göteborgs konsthall
Lars
Nittve, senior advisor M+, Hong Kong
Marit
Paasche, art critic and museum curator
Ann
Pasternak, director Brooklyn Museum
Laura
Raikowitz, director Queens Museum
Mats
Stjernstedt, artistic director Hus, Oslo
Kjetil
Trædal Thorsen, founding partner Snöhetta, Oslo
Nato
Thompson, chief curator Creative Time New York
Sabrina
van der Ley, head of contemporary art department, Nasjonalmuseet for kunst,
arkitektur og design Oslo
Philippe
Vergne, director MOCA, The museum of contemporary art Los Angeles
(**) tradução livre