25.12.12

Afortunadas


Universal Archive - William Kentridge - Linoleogravura - 2012


fortune [fCYtyn] n. f.
• XIIe; lat. fortuna « bonne ou mauvaise fortune »
Poder que supõe distribuir felicidade e infelicidade sem regra aparente, ao acaso. Os caprichos da fortuna. Ser favorecido pela fortuna. Eventos acontecidos ao acaso.  (le Petit Robert Dictionnaire)

De Platão na Grécia antiga a Maquiavel no Renascimento,  o sentido de Fortuna foi se alterando através dos tempos ao sabor das filosofias e das religiões.

 Para os antigos, a Fortuna não era uma força maligna inexorável. Ao contrário, sua imagem era a de uma deusa boa, uma aliada potencial, cuja simpatia era importante atrair.

Com o tempo ( e a "ajuda" da filosofia judaico-cristã ) o destino virou uma força da providência divina e o homem sua vítima impotente. A Destino podem  se relacionar outros termos como Sorte, Acaso, Fortuna, Fatum, Fatalidade, Predestinação, Lei Natural, Providência Divina que ganharam diferentes sentidos através da história no pensamento ocidental.

Vou preferir a definição dos antigos e entender a Fortuna como uma senhora esperta, que lida com o acaso,pronta a nos sacudir  para enfrentar os movimentos da vida. Neste ano ela andou me pedindo  muita agilidade de pensamento e de ação.

Escolho o trabalho de 2 fotógrafos que admiro muito para ilustrar meu tema. Candida Höfer  e Robert Polidori . Eles fotografam espaços desprovidos de pessoas , em grandes formatos.  Seus trabalhos portanto são "similares" e totalmente opostos, por isso estão aqui . 



Biblioteca Nazionale Napoli III - Candida Höfer -  2009
Candida Höfer , fotógrafa  alemã escolhe como tema espaços públicos , centros de vida cultural como livrarias, museus, teatros. Cada foto meticulosamente composta é marcada pela riqueza da atividade humana, mas desprovido de sua presença . Olhar suas imagens de alguma maneira nos apazigua , reconforta,  enobrece, assegura a dignidade da raça humana . São fotos silenciosas .


Escola em Chernobyl - Robert Polidori -  2003
Enquanto Robert Polidori , fotógrafo canadense radicado nos Estados Unidos, fotografa destroços resultantes de desastres provocados  pela ação do homem ou da natureza, como o furacão Katrina em New Orleans , o desastre nuclear de Chernobyl ou a guerra civil em Beirute .  A maior parte de suas imagens exibe ambientes vazios, revirados ou parcialmente destruídos, que foram abandonados depois de um choque violento . Suas fotos nos calam. Sugerem  sonhos desfeitos, lembranças do que foi e nunca será novamente. Elas lembram a natureza transitória de todas as coisas.

Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra IV Candida Höfer

'2600 Block of Munster Boulevard, New Orleans, September' Robert Polidori 
O título da exposição do artista sul africano William Kentridge  - Fortuna - , que acontece no Instituto Moreira Salles no Rio de Janeiro (e depois seguirá para Porto Alegre e São Paulo ) também me trouxe o tema para este post de fechamento do ano.


"A noção de “fortuna”, princípio guiador do processo artístico de Kentridge, e presente no título da exposição, traz o sentido de acaso, de destino, de devir. Segundo o próprio artista, “fortuna é um termo geral que utilizo para essa gama de agenciamentos, algo diverso da fria probabilidade estatística, no entanto fora do âmbito do controle racional”. Em outras palavras, é possível entender esse conceito como um acaso direcionado, uma engenharia da sorte, em que pré-determinação coexiste com possibilidade." *

Desenho para Estereoscópio (da serie Desenhos para Projeção) William Kentridge 1999

Conheci o trabalho de William Kentridge na Bienal de Veneza de 1999. Nunca havia ouvido falar dele antes e fui imediatamente capturada . Seu trabalho é intrinsecamente ligado a sua nacionalidade sul africana por isso traz um viés politico, critico, alem de vasculhar as grandezas e pequenezas do humano.

Esta exposição traz uma retrospectiva de seu trabalho mostrando obras recentes, linoleogravuras, esculturas e seus trabalhos mais emblemáticos os "desenhos filmados e filmes desenhados" onde o artista com uma câmera antiga filma as etapas sucessivas de desenhos que faz, geralmente a carvão, e que são progressivamente alterados através de apagamento e substituidos  por novos feitos por cima. O processo do desenho e a noção de tempo são incorporados à obra final ( que nunca se finaliza).
Cambio - William Kentridge -1999

Seus trabalhos para teatro e ópera estão lá também como o projeto para a encenação da ópera " Il ritorno di Ulisse in patria"  de Claudio Monteverdi (1641) (Ulisse : ECHO ) onde Kentridge diz que aceitou trabalhar  por conta do prólogo (acrescentado por Monteverdi e seu libretista Badoaro), " no qual os atributos da Fragilidade Humana, Tempo, Fortuna e Amor disputam o que acontecerá com Ulisses. Foi esse prólogo com seu tema central e imagem do humano como vulnerável, mais que heroico, que me levou a realizar a ópera." *

Não é de se admirar que entre as dezenas de prêmios recebidos pelo artista se encontra o prestigioso  Kyoto Prize em reconhecimento de suas contribuições no campo das artes e da filosofia recebido em 2010. 

Família no Museu - Óleo sobre cartão - Julio Martins da Silva
Julio Martins da Silva com sua pintura delicada foi uma das boas surpresas deste ano. A exposição aconteceu na Galeria Estação em SP (nov/dez 2012 ). A sua idílica visão de mundo onde reina a ordem e a harmonia, me parece um contraponto interessante para o acaso da fortuna. O pintor começou a trabalhar depois de sua aposentadoria por volta dos 80 anos, e o título da exposição (com curadoria de Paulo Pasta ) dizia muito da obra exposta e reforça minha impressão : " Um mundo embrulhado para presente".



William Kentrigde, para cenário - A Flauta Mágica de Mozart


Como infelizmente essa possibilidade não existe, trago este globo desenhado por Kentridge  para o cenário da Flauta Mágica de  Mozart. Esta obra narra através de uma historia de amor, a luta da luz da inteligência contra a obscuridade da ignorância, e é o que devemos buscar sempre para um bom relacionamento  com nossa fortuna.


Palácio da Rainha da Noite - Flauta Mágica- William Kentridge

Determinação e entendimento das possibilidades infinitas e criativas  para reviçar a vida, é o que desejo a todos, e lembrar :

"Ser o que se pode é a felicidade.

...Não adianta sonhar com o que é feito apenas de fantasia e querer aspirar ao impossível. A felicidade é a aceitação do que se é e se pode ser."
(Valter Hugo Mãe - O filho de mil homens - Cosac Naify - 2012)

Sejam muito felizes em 2013 !!!






* Texto retirado de :
William Kentridge - Fortuna
Catálogo da exposição
 Organização Lilian Tone



Candida Höfer (12 fotografias)
Galeria Leme
Avenida Valdemar Ferreira, 130  Butantã  SP
 Tel 11 3814 8184
22/11/2012 a 12/01/2013.

Candida Höfer  Libraries
Introdução Umberto Eco
Thames & Hudson, 2005. Hardcover (1ª edição)
Schirmer/Mosel Verlag Gmbh (Jan 2006)

Exposição Robert Polidori - Fotografia
Fundação Clóvis Salgado
Centro de Arte Contemporânea e Fotografia
Avenida Afonso Pena, 737, Centro BH
Tel 31 3236-7400
21 /11/ 2012 a 6/1/ 2013



Robert Polidori
Zones of Exclusion: Pripyat and Chernobyl (2003)
Steidl & Pace/MacGill
After the Flood (2006)
Rosenheim, J , 2006
London: Steidl


William Kentridge - Fortuna
Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro Out 2012 - Fev 2013
 Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre , Mar - Maio 2013
Pinacoteca do Estado São Paulo, São Paulo, Ago - Nov 2013

Prêmio Kyoto - Inamori Foundation Kyoto

Galeria Estação
Rua Ferreira de Araujo, 625 Pinheiros  SP
Tel 11 3813 253
www.galeriaestacao.com.br
" O que eu estou vendo vocês não podem ver " Filme de Carlos Augusto Calil , 1978 baseado em - Mitopoética de nove artistas brasileiros - Lélia Coelho Frota 

2 comentários:

  1. Tanya querida, ler os seus posts e beber de sua fonte de inteligência e sensibilidade sempre me remete ao meu melhor. E este é especialmente lindo! Obrigada por nos lembrar que "Ser o que se pode é a felicidade...". Que lindo!!!
    Um ano com muito amor e feliz niver (atrasado no calendar, mas atual no carinho). Um beijão,

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  2. Tã! Ler "afortunadas" e ver as primeiras imagens da postagem me levaram direto ao Kentridge! Ouvi dizer que a exposição está linda! Não vejo a hora dela chegar à Pina!
    Bjos,
    Nina

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Muito obrigada pelo seu comentário.Por favor deixe o seu nome e se quiser alguma resposta específica, o seu email. Um abraço, Tanya