Diz a lenda que vieram da casa de “Pederneiras”, lugar mítico que jamais conheci, nem de longe, onde meu avô era o médico da pequena cidade. Minha mãe vivera ali a primeira adolescência nos intervalos de férias do internato, na década de 30. Desde que me conheço por gente, volteavam e arrematavam um pátio da casa de minha avó, agora na Rua Pedroso, pois a acompanharam na mudança para SP . Cresci olhando para eles . Eram azulejos art nouveau com relevos, compondo uma cena aquática onde cisnes branquíssimos nadavam em linha reta sobre ondas de um azul profundo, intercalados por nynphéas, “vitória régias” francesas do fim do século XIX. Seus tons de azul e verde eram limpos e claros e me fascinavam.
Quando esta casa foi desapropriada e demolida para a construção do Viaduto Pedroso, os azulejos foram novamente retirados e transportados até a obra que minha mãe construía em uma chácara, estágio preparatório para sua aposentadoria. Alguns adornaram o banheiro e outros enfeitaram um poço que ficava num meio de caminho de jardim. Meus pais viveram alguns anos ali, até que, depois de uma doença comprida, meu pai morreu
Minha mãe, mulher seca, forte, independente e mandona, resolveu continuar sozinha no mato. Os anos foram passando e essa opção foi se mostrando cada vez mais inviável. Até que um dia a onipotência começou a dar espaço para o medo e a solidão gritou mais forte . Ela decidiu que era tempo de voltar para a cidade.A chácara seria vendida e a única coisa que pedi foram os azulejos.
Sabendo da sua antiguidade , da beleza e do valor muito além do sentimental, comecei a pesquisar quem poderia ir retirá-los dali sem danificá-los. Enfim já eram relíquias !
Mas infelizmente não consegui ser mais rápida que o destino.
Mas infelizmente não consegui ser mais rápida que o destino.
Certo dia, indo ver minha mãe, ela me avisou que eu devia passar com o carro pela garagem, que os azulejos estavam ali a minha espera. Solícita, havia mandado o caseiro com sua marreta e formão retirar todos eles para que eu os levasse.Quando cheguei à garagem, não podia acreditar no que via, cacos estilhaçados dos mais belos azulejos que eu havia visto na vida enchiam duas caixas. Não havia sequer um inteiro. Todos lascados, quebrados, desintegrados. Fiquei em estado de choque. O vazio foi tão imenso e profundo que não deu nem para chorar.
ai, tanya, chorei. não sabia que você escrevia tão bem e me identifiquei nessa história de família. minha mãe está bem lúcida, mas poderia ter feito a mesma besteira.....nossas mães são nossas raízes e perdê-las parece impossível. a vida é dura e comovente a temos que aproveitar todas as alegrias e belezas dela, não é? beijos, Ruth.
ResponderExcluirTanya, repicar casos é feio, mas não quando é para consolar: minha mãe restaurou 2 bonequinhas de biscuit de mais de cem anos, foi um trabalho insano,longuíssimo. Guardei com todo cuidado. Dois sofridos anos depois da morte dela, criei coragem e resolvi dar uma boneca para cada uma de suas irmãs, minhas tias, com todo o carinho e carga de significação que possuíam. Retirei cuidadosamente do meu armário e...a caixa caiu da minha mão, inexplicavel e indesculpávelmente. Moídas ficaram, pelo que vi com o rabo do olho- não tive coragem de abrir a caixa. Fiquei petrificada.Guardei a caixa com os cacos no armário de novo e lá estão, há 4 anos.
ResponderExcluirSou prima da Renata Viellas-Rodel( a mãe dela ficou sem a bonequinha), adorei o seu blog.
Ana