Alberto Giacometti - Portrait d' Annette -huile sur toile 1962 |
Meu pai me
ensinou a atravessar as ruas quando eu era pequena. Para isso me deu um
conselho que lembro e uso até hoje.Olhe nos olhos do motorista quando for cruzar
a rua. Não importa se o sinal está fechado ou amarelo, a rua ao lado seja
contramão... Ao fazer isso você sabe o
que o motorista está pensando e planejando fazer.
Olhar nos
olhos ,não sei se a partir daí, vem balizando minhas relações pessoais através
dos anos. Nos olhos,( “janelas da alma” , sentiers
battus ) , tenho a possibilidade mais eficaz de ”ler” quem se apresenta à minha
frente. Pode parecer reducionista, mas garanto por anos da prática, que é um
método eficaz.
Giacometti pintando o retrato de Annette jul 1954 -Sabine Weiss |
Obcecada por olhos e olhares encontrei os mais
intrigantes e perturbadores visitando a belíssima exposição
de Alberto Giacometti * na Pinacoteca de SP .
Eles foram um
dos numerosos caminhos que eu resolvi escolher para percorrer essa maravilhosa
exposição que apresenta o percurso do
artista nas diversas linguagens com que trabalhou, desenho, pintura, escultura
e gravura.
O olhar está
lá capturado, desvendado nos desenhos, pinturas e nas esguias esculturas, onde
rostos crispados parecem condensar todas as angustias da condição humana.
Em um filme
que passa na exposição descobri que os olhares que me atraiam como um imã eram
considerados pelo artista ponto de partida. Giacometti diz aí, que começa seus desenhos pelos olhos do
modelo, porque se eles, e a base do nariz estão bem encaminhados o trabalho
pode acontecer . E é do desenho que ele parte sempre. No mesmo filme Jacques Dupin, (poeta francês)
amigo e modelo conta que nas pinturas ele
trabalha nos olhos longamente, e muitas vezes , no fim do dia , considera que ainda
não está bom ( como reluta sempre em dar uma obra como finalizada) . Então para
e recomeça no dia seguinte, pelos olhos
novamente . É por isso que muitas telas apresentam rostos como em alto relevo
por tantas camadas de tinta, trabalhadas e retrabalhadas.
Alberto Giacometti - Henri Cartier-Bresson |
Na última
sala da exposição, algumas fotos. E aí também os olhares me capturaram. Os que
você vê, direcionados a câmera,e os que você percebe e sente trocado entre
personagens das fotos. Em uma delas, de Cartier-Bresson , foi o olhar encantado
e maroto de Annette para o marido em uma
mesa de bar ou uma outra do casal se olhando simplesmente. Uma seqüencia de fotos , feita por Annette , onde Giacometti
trabalha com seu modelo japonês, I. Yanaihara (curiosidade,o tradutor de Sartre
para o japonês) esculpindo no barro me maravilhou. A última foto da seqüencia mostra a escultura
e o modelo de frente e a semelhança é impressionante ! Não no sentido da
similaridade do retrato, mas estão lá todas as linhas e tensões, marcas e
sombras do rosto do homem e o seu olhar. - “Os rostos que pinto ou esculpo
hoje, tento fazê-los de modo que não tenham nenhuma relação com a visão
fotográfica. Se procurarmos ver de modo diverso da fotografia tudo torna-se
novo e desconhecido” (Giacometti 1962 )
Busto de Homem |
Por esse
caminho dos olhares parece que você vê o artista “pensando”. Adoro as obras que
despertam essa sensação. Certa vez em uma exposição retrospectiva de
Cartier-Bresson ( meu ídolo eterno)vi expostas sequencias de contatos. Olhando
as fotos aparentemente iguais aparecia finalmente a marcada com lápis vermelho
pelo fotógrafo como “a” verdadeira, aquela que ficaria ( e ficou) eternizada. Mostrar
o percurso do olhar do artista e seguir seu “pensamento”, era tocante e
perturbador, dessas coisas que você não esquece mais.
Como não se
há de esquecer essa maravilhosa exposição que a Pinacoteca de SP nos trouxe !
Possibilidade preciosa de se emocionar com um grande artista!
*Fruto de um trabalho de três anos de contatos internacionais e
realizada em parceria com a Fondation Alberto et Annette Giacometti de Paris e
com a Pinacoteca do Estado de São Paulo, a exposição teve sua organização e
produção a cargo da Base7 Projetos Culturais . A retrospectiva de Alberto Giacometti
seguirá para o Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, de 17 de julho a 16 de
setembro 2012 , e para a Fundación Proa, em Buenos Aires, de 13 de outubro a 9
de janeiro de 2013.
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