31.5.11

Muito mais que o jantar

Foto Ricardo de Vicq de Cumptich - O sabor das estações - Laurent Suaudeau
Por Tanya Volpe


Cozinheiros se tornam chefs depois de um duro trabalho, sempre disse Laurent Suaudeau,  o mais importante cozinheiro do Brasil de todos os tempos.  Devemos a ele o começo da valorização da nossa identidade culinária, e , principalmente, da profissão de cozinheiro. Fato ignorado pela geração de meninos inocentes, que saem orgulhosos das escolas de gastronomia,  e que só conhecem Alex Atala .
Laurent chegou ao Brasil nos anos 80, enviado por Paul Bocuse, para cuidar do restaurante  Saint-Honoré no Rio de Janeiro. Sofreu bastante com a ignorância e falta de formação dos cozinheiros brasileiros Com  seu rigor francês, resolveu ensinar, formar e educar os profissionais que tocavam as cozinhas.
Generoso, gostava mesmo de dividir seus conhecimentos. Para isso, montou cursos que começaram em seu restaurante no Rio e depois vieram para SP. Por esses pequenos módulos passaram  muitos profissionais hoje atuantes.

 

Foto Ricardo de Vicq de Cumptich - O sabor das estações - Laurent Suaudeau

No começo dos anos 90, agora em SP, Laurent sonhava em fazer um livro com suas receitas. Tive o privilégio de participar desse projeto desde o início. Eu selecionei com o chef as receitas que poderiam figurar no livro, dentre as centenas reunidas nas apostilas dos cursos. Já nesse pedaço me sentia em um paraíso de leite e mel. Ponderar sobre preparações , analisar graus de dificuldade, esclarecer dúvidas para redigir as receitas e,  finalmente, chegar à seleção final foi um  percurso magnífico.
Enquanto estivemos no estúdio fotográfico , acompanhar a realização das fotos e ver o chef cozinhando foi indescritível. Considero que o que vivi ali não se equipara a nenhum curso que eu pudesse fazer em qualquer escola do mundo.



Foto Ricardo de Vicq de Cumptich - O sabor das estações - Laurent Suaudeau



Para se concentrar só  nas fotos, Laurent, dispensou a família e o trabalho no restaurante. Não me lembro com precisão por quantos dias trabalhamos. O chef chegava ao estúdio, onde havia uma cozinha, com a mise-en-place semi preparada e cozinhava. Lindamente, cozinhava. Vê-lo trabalhando, atenta a todos os detalhes, na calma do estúdio, podendo entender os gestos, as combinações, as sutilezas, cara a cara com o mestre, tudo aquilo me formou.
A medida que o resultado das fotos, lindas,  foi aparecendo, Laurent ia se emocionando e , se é possível dizer isso, se esmerando ainda mais. Encerramos com a foto de uma  galinha d’angola, assada inteira, recheada , ” à moda antiga” , que , podendo ser partilhada (sugestão do chef), comemos ali mesmo no estúdio, celebrando a finalização do trabalho .
Quando o  livro - O Sabor das Estações - (ed Prêmio Editorial - 1995)  ficou pronto , Laurent nos contou que chorou como criança a cada virada de página do primeiro exemplar. Seu trabalho todo coroado ali.

Foto Ricardo de Vicq de Cumptich - O sabor das estações - Laurent Suaudeau



25.5.11

Jadis

Michel Bras - le gargouillou de légumes
Por Tanya Volpe

Desde sua abertura , em 2008, o Jadis,entrou na lista dos restaurantes que eu queria visitar em Paris. Por uma razão simples. Seu jovem chef Guillaume Delage traz em seu currículo a experiência de haver trabalhado com 2 ídolos da cozinha para mim: Michel Bras e Pierre Gagnaire.

 Michel Bras influenciou e influencia uma geração de cozinheiros nos quatro cantos do mundo. O seu Gargouillou , criado há 30 anos, prato que estampa a capa de seu livro, e abre este post , é um ícone. Inscreve-se entre as poucas preparações que de fato revolucionaram a cozinha, alterando o seu rumo.  Nasceu de um passeio feito por Bras pelos campos da sua região, Aubrac.  Em um dia de verão,ao se deparar com um campo de flores, a beleza das cores e dos aromas lhe tocaram profundamente. Conta ele que ao voltar a sua cozinha, ainda inebriado procurou criar um prato que reproduzisse o mais fielmente possível aquela paisagem, a da sua terra querida. Para isso usou mais de 40 espécies de flores, ervas e plantas criando sua obra de arte comestível.

 Imaginou a possibilidade de instantâneos gustativos, perfumados e igualmente visuais de cada estação, e região geográfica abrindo aos cozinheiros um novo entendimento do seu lugar no mundo . A boa resolução de um prato tão vigoroso como este, fica diretamente ligada à capacidade do cozinheiro de inscrever sua própria versão dentro de seu habitat. Vários chefs desde então, aceitaram este desafio, que continua cada vez mais vivo e instigante. Considero que o terceiro encontro Cook it Raw, que aconteceu no final de 2010  reunindo 15 chefs estrelados do mundo, em um acampamento na Lapônia,  pode ser entendido como um “exercício prático de Gargouillou” . A paisagem foi lida, integrada, compreendida e colocada perfeitamente “viva” dentro dos pratos elaborados.
   Mais uma confirmação das reflexões de Bras a cerca de sua obra ser  “viva, porque a cada vez, mutante - minha preparação será forçosamente diferente daquela do meu vizinho porque é um prato de que o cozinheiro se apropria. A multiplicidade de sabores presentes, permite associações infinitas e portanto  experiências culinárias muito diversas de um prato a outro, de uma mesa a outra, de um país a outro”.


Pierre Gagnaire, pode ser considerado um dos melhores chefs do mundo.Tem um trabalho consistente e delicado, preocupado com o bom e o belo. Há anos aliou-se a Hervé This, o “cientista da cozinha” para um trabalho investigativo que chamam de “Construtivismo Culinário”. This é o cientista que há mais de 30 anos investiga os processos físico-químicos embutidos nas preparações culinárias. Ferran Adrià deve a ele, e credita, o inicio das suas experimentações. Em dupla com Gagnaire, procura não colocar a química acima da arte, mas sim , dar à arte culinária os meios para sua expressão.



Guillaume Delage tem 30 anos e nos oferece uma cozinha que revisita clássicos com traços de ousadia. Jadis, quer dizer, antigamente, noutros tempos... A expectativa que coloquei sobre seu trabalho era grande e confesso que não me decepcionei . Adoro quando fico indecisa em um restaurante  porque as opções oferecidas na carta parecem tão boas, tão boas, que fica difícil decidir. 

 Como entrada  , fui na simplicidade. Escolhi um prato com morilles  um tipo de cogumelo que adoro , cozidos em um molho reduzido de creme e caldos , uma gema no ponto certíssimo, aspargos e vagens. Minha companheira de mesa, um creme frio de feijões brancos, lula grelhada e presunto ibérico. Perfeito. Aproveitando o fim da temporada das vieiras, nosso segundo prato foi com elas. Acompanhadas de toupinambours, um tubérculo,com consistência de batata e gosto de alcachofra, que só encontro na França e sempre que posso, peço.Esse vegetal era comido antigamente e lembra tempos duros de guerra, por isso ficou esquecido por muitos anos. Ainda bem que foi reabilitado! 



De sobremesa uma especialidade da casa. Um soufflé de chocolate amargo , com uns toques crocantes, servido com sorvete de baunilha e suspiros. Mais reconfortante impossível !
A casa segue o modelo dos novos bistrots com uma carta de vinhos pequena, mas, diferenciada. Privilegia pequenos produtores , com ótimas garrafas a preços bem razoáveis, como de resto todos os pratos. Não perca !


Morilles crémeuses au savagnin, jaune d'oeuf mi-cuit et asperges vertes. 22€
Créme glacée de haricot coco, encornets à la plancha et palette ibérique.16€
Soufflé au chocolat, vacherin glacé a la vanille    12€
AOC Saint Aubin " Le Banc " Pierre Yves Colin 2008    49 €

RESTAURANT JADIS
208, rue de la Croix Nivert    75015 Paris
Tél.: 01.45.57.73.20
Fecha Sábado e Domingo
Metro:Felix Faure

13.5.11

Jardins de Porcelana

Por Tanya Volpe

Visitar a loja Merci em Paris surpreende sempre.
No grande espaço interno do hall de entrada, estão expostas instalações artísticas de jovens criadores, que se alternam.  São obras de muito bom gosto, como enfim, tudo  exposto e vendido ali.  A loja trabalha com designers conhecidos de moda e de objetos, como Stella Mc Cartney ,  Yves St Laurent (com a famosa saharienne),  Isabel Marant  etc , que cedem algumas peças renunciando  às margens comerciais,  para apoiar o projeto filantrópico proposto . O lucro das vendas é doado, através de uma fundação, a instituições da ilha de Madagascar que cuidam principalmente de crianças carentes. Marie -France ,  dona da loja (com o marido Bernard Cohen ) diz que a sua prioridade está em tirar  as meninas da rua e de lhes dar uma profissão, a costura neste caso. E por isso você pode adquirir as criações com media de preço 30 % menor que nas lojas originais. A marca Annick Goutal de perfumes, disponibiliza  4  criações nessas condições. (Annick era irmã de Marie-France ) .

Espalhadas pelos amplos espaços ou pelos cantinhos da loja , há sempre coisas lindas para serem descobertas,. Na minha última visita encontrei uma mini exposição de chaleiras, trabalhadas lindamente em relevos, expostas sobre uma mesa. Peças espetaculares ! Aprendi que elas vinham de Jingdezhen , na província de Jiangxi , sudeste da China. Esta cidade é conhecida como a “capital da porcelana” porque as produz com qualidade diferenciada, há mais de 1700 anos, (desde a dinastia Hang) . Famosas no mundo todo por serem “mais finas que o papel, mais brancas do que o jade, mais brilhantes que o espelho e soam como sinos quando tocadas ”.


Os exemplares que estavam ali expostos foram confeccionados com a técnica “bone china”, que acrescenta pó de ossos à formula original da porcelana, lhe dando mais dureza e um branco translúcido. A técnica foi criada na Inglaterra por Josiah Spode no século XVIII ,  e conhecida pelos chineses com a intensificação das trocas com a Europa a partir do século XVII.

Aquelas chaleiras eram exemplares raríssimos  de uma tradição de Jingdezhen, onde os diversos ateliers de artesões competem entre si para ver quem cria a peça mais rebuscada  e bela. Também são raros os exemplares de “bone china” existentes fora da Inglaterra. Outra particularidade aqui, é que as peças não são cozidas. Totalmente únicas e raras eram símbolo de um savoir faire manual que esses artesões mantém vivo.


Merci
111 boulevard Beaumarchais  75003
metro Sébastien Froissart.