3.5.12

Me faz muito gosto



Mexilhões à moda de Aveiro


Lavam-se e limpam-se das pequeninas conchas 3 litros de mexilhões dos maiores, apanhados nas águas vivas (Lua Nova ou Lua Cheia). Tirados da casca, extraída toda a areia e os bissos, escorrem-se bem, secam-se num pano e enfiam-se pelo meio em palitos de 10 centímetros de comprido, ficando cada palito bem cheio. Fregem-se a seguir os mexilhões enfiados, em 4 decilitros de azeite fino não devendo ficar muito fritos. Põem-se em frascos altos enchendo-os bem e cobrindo os mexilhões no frasco com vinagre forte e completando o enchimento com o azeite onde os mexilhões fritaram depois de ferver por mais 5 minutos com uma folha de louro, dois alhos partidos ao meio, dez bagos de pimenta e o sal que a prova acusar antes de deitar o azeite. Conservam-se assim por meses.

( receita retirada em reprodução literal, do livro Culinária Portuguesa – António Maria de Oliveira Bello –Olleboma – ed Assírio & Alvim – Lisboa, Novembro de 1994 – 1ª edição1936)

Receitas , quando bem escritas, são passaporte para lugares distintos.
Uma nostalgia de viagem ou o aconchego escondido de um colo.
São guias para nossas próprias aventuras. Experimente.

As fotos são de Rui Ornelas e são de Rias Bajas- Galizia estão no Flickr



29.4.12

Encontro de Olhares

Alberto Giacometti - Portrait d' Annette -huile sur toile 1962

Meu pai me ensinou a atravessar as ruas quando eu era pequena. Para isso me deu um conselho que lembro e uso até hoje.Olhe nos olhos do motorista quando for cruzar a rua. Não importa se o sinal está fechado ou amarelo, a rua ao lado seja contramão... Ao fazer  isso você sabe o que o motorista está pensando e planejando fazer.

Olhar nos olhos ,não sei se a partir daí, vem balizando minhas relações pessoais através dos anos. Nos olhos,( “janelas da alma” , sentiers battus ) , tenho a possibilidade mais eficaz de ”ler” quem se apresenta à minha frente. Pode parecer reducionista, mas garanto por anos da prática, que é um método eficaz.


Giacometti pintando o retrato de Annette jul 1954 -Sabine Weiss


Obcecada  por olhos e olhares encontrei os mais intrigantes  e  perturbadores visitando a belíssima exposição de Alberto Giacometti * na Pinacoteca de SP .

Eles foram um dos numerosos caminhos que eu resolvi escolher para percorrer essa maravilhosa exposição que apresenta  o percurso do artista nas diversas linguagens com que trabalhou, desenho, pintura, escultura e gravura.

O olhar está lá capturado, desvendado nos desenhos, pinturas e nas esguias esculturas, onde rostos crispados parecem condensar todas as angustias da condição humana.

Em um filme que passa na exposição descobri que os olhares que me atraiam como um imã eram considerados pelo artista ponto de partida. Giacometti diz  aí, que começa seus desenhos pelos olhos do modelo, porque se eles, e a base do nariz estão bem encaminhados o trabalho pode acontecer . E é do desenho que ele parte sempre.  No mesmo filme Jacques Dupin, (poeta francês) amigo e modelo conta  que nas pinturas ele trabalha nos olhos longamente, e muitas vezes , no fim do dia , considera que ainda não está bom ( como reluta sempre em dar uma obra como finalizada) . Então para e recomeça no dia seguinte,  pelos olhos novamente . É por isso que muitas telas apresentam rostos como em alto relevo por tantas camadas de tinta, trabalhadas e retrabalhadas.


Alberto Giacometti - Henri Cartier-Bresson

Na última sala da exposição, algumas fotos. E aí também os olhares me capturaram. Os que você vê, direcionados a câmera,e os que você percebe e sente trocado entre personagens das fotos. Em uma delas, de Cartier-Bresson , foi o olhar encantado e maroto de Annette para o marido  em uma mesa de bar ou uma outra do casal se olhando simplesmente.  Uma seqüencia de fotos  , feita por Annette , onde Giacometti trabalha com seu modelo japonês, I. Yanaihara (curiosidade,o tradutor de Sartre para o japonês) esculpindo no barro me maravilhou.  A última foto da seqüencia mostra a escultura e o modelo de frente e a semelhança é impressionante ! Não no sentido da similaridade do retrato, mas estão lá todas as linhas e tensões, marcas e sombras do rosto do homem e o seu olhar. - “Os rostos que pinto ou esculpo hoje, tento fazê-los de modo que não tenham nenhuma relação com a visão fotográfica. Se procurarmos ver de modo diverso da fotografia tudo torna-se novo e desconhecido” (Giacometti 1962 )

Busto de Homem

Por esse caminho dos olhares parece que você vê o artista “pensando”. Adoro as obras que despertam essa sensação. Certa vez em uma exposição retrospectiva de Cartier-Bresson ( meu ídolo eterno)vi expostas sequencias de contatos. Olhando as fotos aparentemente iguais aparecia finalmente a marcada com lápis vermelho pelo fotógrafo como “a” verdadeira, aquela que ficaria ( e ficou) eternizada. Mostrar o percurso do olhar do artista e seguir seu “pensamento”, era tocante e perturbador, dessas coisas que você não esquece mais.

Como não se há de esquecer essa maravilhosa exposição que a Pinacoteca de SP nos trouxe ! Possibilidade preciosa de se emocionar com um grande artista!


*Fruto de um trabalho de três anos de contatos internacionais e realizada em parceria com a Fondation Alberto et Annette Giacometti de Paris e com a Pinacoteca do Estado de São Paulo, a exposição teve sua organização e produção a cargo da Base7 Projetos Culturais  . A retrospectiva de Alberto Giacometti seguirá para o Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, de 17 de julho a 16 de setembro 2012 , e para a Fundación Proa, em Buenos Aires, de 13 de outubro a 9 de janeiro de 2013.


15.3.12

Viajar é preciso

Kandinsky - Mit und Gegen - 1929


"  Como a água o mundo te atravessa e por um tempo te empresta suas cores. Depois se retira e te recoloca de frente a esse vazio que todos carregamos dentro de nós." (livre tradução )

" Comme une eau, le monde vous traverse et pour un temps vous prête ses couleurs. Puis se retire, et vous replace devant ce vide qu’on porte en soi. "

Nicolas Bouvier - L'usage du monde

28.2.12

Para minha mãe



Hoje minha mãe faz 90 anos e passeia por países desconhecidos.
Ainda bem , repletos de afeto.
Detestava aniversários, não contava a idade para ninguém, nunca se lembrou do meu.
Mas acho que me perdoaria por esse presente, na longevidade serena e pela via pacificada que percorremos agora.

12.2.12

Mais Bistrots



Atendendo a pedidos coloco aqui os endereços citados no livro - Bistrot - Autour et avec les recettes de Paul Bert - de Bertrand Auboyneau  e François Simon - Ed Flammarion

Com o tempo vou falar dos que já conheço enquanto corro atrás de experimentar os outros, e verificar se são mesmo imbatíveis na sua relação qualidade/preço/prazer. Conto tudo depois.


L’Abordage
2, place Henri-Bergson         8eme
Tel 01 45 22 15 49

L'Ami Jean
 27, rue Malar       7 eme.
 Tel 01 47 05 86 89.

Le Baratin
 3, rue Jouye-Rouve   20 eme
Tel 01 43 49 39 70.

Le Comptoir du Relais
9, carrefour de l'Odéon     6 eme.
Tel 01 44 27 07 97

Reprodução de foto do livro


L'Ecailler du Bistrot
22, rue Paul Bert  11eme
Tel 01 43 72 76 77

Le Grand Pan
20,rue Rosenwald     15 eme
Tel 01 42 50 02 50

Le Marsangy
73, av Parmentier         11 eme
Tel 01 47 00 94 25

Quedubon
22, rue Du Plateau     19 eme
Tel 01 42 38 18 65



Le Repaire de Cartouche
8,boulevard des Filles-du-Calvaire  11 eme
Tel 01 47 00 25 86.

Le Verre Volé
67, rue de Lancry        10 eme
Tel 01 48 03 17 34

Le Gourgeon
42,avenue Victor-Hugo       92100 Boulogne
Tel 01 46 05 11 27


E , novamente :

Philou
2, av Richerand      10 eme
Tel 01 45 48 86 58

Le Villaret
 13, rue Ternaux    11 eme
Tel 01 43 57 89 76.

Bistrot Paul-Bert.
18, rue Paul-Bert       11eme
Tel 01 43 72 24 01.

Reprodução de página do livro





2.2.12

Parênteses de Paris



Há muito tempo que entrar em qualquer lugar em Paris para comer não significa necessariamente comer beeeeem. Muitas vezes só o enlevo de estar por lá, e o charme completado  pelas nossas próprias fantasias, dão conta de suprir a “palidez” da comida .

Nas últimas  crônicas escritas por Danuza Leão na Folha de SP ela se refere a recentes experiências ruins comendo em Paris. E parece que de repente a história da comida congelada nos restaurantes franceses tomou conta da mídia. É certo que isso vem acontecendo, tanto  que há um projeto de lei transitando no Senado francês, já foi votado na Assembléia, exigindo que os restaurantes sejam obrigados a mencionar no menu, “produtos frescos”, “congelados” ou “feitos na casa” para distinguir o joio do trigo. A briga promete ser feia até que a proposta entre em vigor !

Mas os bons bistrots ainda existem!!! Basta saber onde procurá-los.


Para conhecê-los é de grande ajuda um livro que saiu no ano passado - Bistrot - Autour et avec les recettes de Paul Bert - de Bertrand Auboyneau ( “patron” desse bistrot , que leva o mesmo nome da rua onde se encontra) e François Simon o mega critico  gastronômico francês.

De aperitivo  uma fala de Simon: bistrot é “um tipo de parênteses” na nossa vida racional, cotidiana. Bien sûr !

O livro começa reverenciando Michel Picquart,  considerado o “pai” dos bistrots parisienses.

Certo dia na década de 80, Picquart decidiu que não gostava do seu trabalho e resolveu mudar de área. Comprou um velho restaurante do bairro o Astier, onde começou a aprender o métier e tomou gosto. Anos depois, em 1995 , humanista convicto,  vendeu aos empregados e partiu para um segundo , o Le Villaret, onde reinou como um ícone indefectível da alma bistrotière. A casa durante anos nem precisava exibir o nome na porta. Fazia parte da vida dos freqüentadores do bairro e clientes. Sob o seu olhar e gestão esses dois lugares se tornaram referência absoluta na bistrologia parisiense. Picquart  é o responsável pelo primeiro menu-carte de Paris pois sempre defendeu ” comer bem a preço justo” ,  acompanhado de vinhos bons e acessíveis . Foi o “professor” para vários chefs  atuantes nessa área, e sem ele não haveria Bistronomie atesta Yves Camdeborde responsável pela entrada dos bistrots na moda ,com a abertura do seu Régalade em 1992.  Picquart morreu em 2006.

L'Ecailler du Bistrot - foto do livro

No livro François Simon enuncia as características e competências essenciais que norteiam um bom bistrot, as 10 “regras de ouro”, com clareza e bom humor. O “patron”, é quem dá personalidade ao lugar, e deve receber a todos com um sorriso caloroso, o chef que é quem executa com maestria os desejos do “patron”, a comida que muda ao sabor das compras do dia e das estações e por isso vem enunciada na lousa , o vinho que tem que ser bom e acessível. Segue falando das pessoas que servem sem as quais o bistrot não ”viveria”, são elas que fazem a ligação essencial com os clientes . Muito do astral dessas pessoas, sua alegria,  eficiência e o orgulho com que exercem o seu trabalho influem na qualidade do lugar. A mesa, a decoração e a atmosfera, os clientes que se confraternizam num bem-estar comum e os aromas reconfortantes que passam pelo salão completam a lista.



O livro traz receitas clássicas servidas no Paul Bert, e também agrupa por critérios afetivos  uma lista de casas . Amizade, generosidade e cumplicidade são o denominador comum desses lugares que Bertrand Auboyneau e François Simon amam acima de tudo.

Apontam-nos aí um bom caminho para pesquisas gourmandes. Estão lá o Baratin, o L’Ami Jean, o Le Verre Volé, claro o Villaret, o midiático Comptoir, mais uma meia dúzia de outros. E o mais novo do grupo, o Phillou, que conheci na minha última viagem.



Phillipe Damas , ex dono do Square Trousseau, montou essa nova casa num quartier agradável, ao lado do canal de St Martin, região que vem sendo ocupada por lojas bacanas e gente animada. Recolocando o novo negócio numa dimensão mais afetiva, escolheu Philou, seu apelido, para dar nome a casa.

O espaço fica entre o clássico e o moderno, com banquetas vermelhas e paredes de quadro negro onde  o menu está escrito. Tem um pequeno bar redondo no centro da sala e uma luminária de Ingo Maurer , aquela que prende um monte de papéis, estes aqui cheios de mensagens afetuosas dos amigos. Do lado de fora um bom terraço, à sombra de um toldo vermelho é daqueles lugares deliciosos , disputado pelos clientes .



No dia em que fomos, Phillipe estava lá para nos receber e acomodar na mesa . Antes de qualquer coisa já nos propõe um verre de vinho , recém descoberto,  para “matar a sede”, que com certeza não vai pesar no nosso  bolso.


No menu pratos deliciosos feitos com ingredientes do dia como o tartare de vieiras e ostras com maçã verde, que não resisti e pedi nas duas vezes que visitei o restaurante de tão refrescante e gostoso que estava. Era outono, onde a caça é habitual por isso o faisão rôti com endívias caramelizadas foi a pedida mais certeira. Outra maravilha ! Também o Joue de boeuf com blettes fondants, bochecha , uma carne que foi “redescoberta” , montada num prato simples mas perfeito. De sobremesa o Montblanc, creme de castanhas com sorvete e outra, marmelos servidos com sorvete de chá verde estavam fantásticos.


Philou é desses lugares que ainda temos a sorte de encontrar.
Phillipe, conforme a noite foi correndo, mais relaxado, teve tempo de beber um copo conosco na mesa, partilhando histórias e afetos.

Esse grupo de ótimos endereços, onde  se come bem, e faz com que saiamos reconfortados e felizes, nos assegura , ainda bem, que “vai sempre existir Paris para nós” * !


Philou
12, av. Richerand  10eme
Tel 01 42 38 00 13
Menus: 25€ (almoço), 30€ (jantar)
Metro : Jacques Bonsergent

Bistrot Paul Bert
18, rue Paul Bert,11 eme.
01 43 72 24 01
Metro : Faidherbe Chaligny

Bistrot. Autour et avec les recettes du Paul Bert
Bertrand Auboyneau et François Simon
Ed Flammarion, 30 €.

* Frase tirada do filme “Casablanca” que Danuza usou na crônica dela.














27.12.11

Bonne Année

Os Náufragos da Louca Esperança´- Théâtre du Soleil -  2011

Quando eu era pequena gostava de imaginar histórias que se desenrolavam em capítulos, como nas novelas de tv. Tentando dormir, me embalava com minhas novelas românticas onde sempre eu era a protagonista . A cada noite retomava do pedaço deixado no dia anterior e seguia até onde eu , o “bem”, tinha um jeito de triunfar no final. Geralmente isso acontecia nas férias quando depois de ler o suficiente, ainda sem sono, soltava a imaginação.

Passei muitas férias em SP, porque meus pais trabalhavam e tinham férias de um mês por ano enquanto nós estudantes, naquela época,  tínhamos direito a 3 meses. Nesses dias eu dormia e lia muito. As leituras se estendiam até altas horas quando me escondia em uma cabana debaixo dos lençóis de minha cama, com uma lanterna acesa para não ser “importunada” pelos meus pais no melhor da história. Lembro bem de ter lido "Os Doze  Trabalhos de Hércules" de Monteiro Lobato, nesse esquema “safári”, e era quando me cansava da precariedade da “sala de leitura” , que eu me transformava em  “novelista”.


Quando cansava disso também, partia para outra faceta imaginativa. Pensava, uma ação, um fato, qualquer coisa, e me dizia que, com certeza, num mundo tão grande, aquilo estava acontecendo, naquele exato momento, em alguma lugar! E assim retratos do mundo passavam pela minha cabeça, como um garoto ganhando um trem elétrico na India, outro colhendo maçãs na Alemanha, uma mãe tirando um bolo de chocolate queimado do forno em Poços de Caldas... , uma criança nascendo ( várias), no Japão, em Pekin ( que não existe mais) uns velhinhos morriam deixando netos super tristes. No Turquistão um caminhão batia num poste, ou um barco afundava em Java. Alguém  dava de cara com uma baleia, uma menina surfava dentro de um tubo, uma onda imensa varria uma praia ( ainda não ouvira falar de tsunamis) e as pessoas claro, conseguiam se salvar. Porque quando eu imaginava alguma coisa mais triste, horrível, como:  tem um menino perdendo o pai neste momento, por exemplo, corria em mudar de idéia para não estragar meu sonho de um mundo em movimento constante repleto de surpresas e ... boas coisas.

Os Náufragos da Louca Esperança´- Théâtre du Soleil -  2011
Este ano tive a oportunidade de assistir a mais um espetáculo do Thèâtre du Soleil, “Os Náufragos da Louca Esperança (Auroras) “.trazido  pelo  SESC/SP, como o anterior Les Éphémères, que considero o espetáculo mais lindo que vi na vida.

Para quem não sabe o Thèâtre du Soleil é uma companhia francesa de teatro criada por Ariane Mnouchkine nos anos 60 formada por atores de variadas nacionalidades que se propõe a fazer teatro popular de qualidade.

“(...) Ligada a idéia de “grupo de teatro”, Ariane estabelece a ética do grupo sobre regras elementares: os profissionais formam um todo só, todos recebem os mesmos salários e o conjunto da companhia se envolve no funcionamento do teatro ( manutenção diária, acolhimento do público no momento do espetáculo), o Thèâtre du Soleil é um dos últimos grupos de teatro a funcionar como tal na Europa. (...). Sua trajetória é assinalada por uma interrogação constante quanto a seu papel, a função do teatro e sua capacidade para representar a época atual.” (...) *

O argumento desse novo espetáculo saiu de um livro póstumo de Julio Verne que relata a história de um grupo de pessoas que resolve mudar de continente no fim do século XIX, às vésperas da 1ª Guerra , em busca de uma vida nova. Porém um naufrágio os leva a um lugar desabitado e gelado, onde têm a chance de criar uma nova sociedade, uma vida civilizada fora da civilização, uma sociedade socialista.


Conforme o trabalho de criação coletiva do grupo teatral foi se desenvolvendo, resolveram introduzir e homenagear o cinema que nascia. Imaginaram um grupo de pessoas que decide fazer um filme sobre esse livro do Júlio Verne. Então as duas histórias vão se  desenvolvendo em paralelo,  a do grupo que fazia cinema e a dos náufragos da Patagônia.

De novo como uma criança, me vi enredada e deslumbrada com o que se passava em cena. O espetáculo trabalha lindamente   a construção da ilusão. Mistura, teatro, cinema, circo, atuação dentro da atuação. Os cenários, com a ajuda ativa dos atores vão se transmutando com elementos aparentemente simples, como panos, cordas, painéis pintados e vão se transformando em castelos, navios, tempestades, paisagens de gelo, em vendavais, que remetem aos descaminhos da Europa naquele momento, 1914 , e falam de uma crise, jamais vista por que passa o continente europeu nos dias de hoje.   
E , ao mesmo tempo, reencena a própria condição do Théâtre du Soleil à medida que relata a brava resistência de um grupo de artistas frente a guerra que começa a tomar corpo.É muito tocante acompanhar a manifestação artística em um de seus momentos mais sublimes.

Os Náufragos da Louca Esperança´- Théâtre du Soleil -  2011
Que  consigamos abrir espaço em 2012  para as utopias, auroras oníricas que nos permitam , com a pureza das crianças, vislumbrar a possibilidade de concretizar nossas esperanças mais banais e acolher todas as surpresas.

Que a nossa imaginação seja fértil e, mantendo a coerência ética consigamos como preconiza a última fala linda da peça, “Levar (noss-)os barcos na viagem escura à luz obstinada de um farol”. 
Sempre !!!
Ótimas viagens !

* Texto retirado do programa do espetáculo: 
   Os Náufragos da Louca Esperança (Auroras)
   De 5 a 23 de Outubro 2011
   Sesc Belenzinho -SP