21.11.11

Companheiros de Viagem II


Devorando um pêssego e já pensando em comer mais um, me lembrei do cacho de uva que atravessou vários dias na geladeira de meus amigos franceses. Retirado após o jantar, alguns bagos eram saboreados com atenção e comentários. Um dia quando eu trabalhava no computador, o amigo querido veio me oferecer um bago, presente especial, reparei logo.

Gostaria de trazer sempre comigo na mala o prazer , a simplicidade e a intensidade que acompanho por lá.
Fico encantada, com a precisão e sabedoria com que esses amigos gerem suas vidas. Nada é desperdício. Tudo versa em torno da essência.


Sobretudo as palavras.

” Il faut méfiez de mots” , li certa vez pichado em uma parede, perto da casa deles.  Arte de rua para “chacoalhar” a cabeça das pessoas. Olhei-a e "traduzi" como curiosidade , e pensei que poderia bem explicar nossas conversas.

Nelas, as palavras são “degustadas” como as comidas. Saboreadas explicam, significam, interligam conceitos e definições. Eu sei que é esse o segredo das línguas, mas com esses amigos elas ganham um sentido especial. Nenhuma é gratuita. As palavras me expõem e são inerentes a “minha”  pessoa. E isso não é chato ! Desenvolve um vínculo inquebrantável, profundo, que só a verdadeira amizade pode criar. Eu com minhas  palavras ganho significância, e criamos juntos um lugar cheio de afeto.




E o talento deles para as descrições? Quanto tenho a aprender! Todos os prazeres são descritos em detalhes.

Não acho à toa que as palavras “gourmand”, “gourmandise” ,  trazem embutidas o prazer do gosto. Repare que para  pronunciá-las , com bom sotaque, você tem que ter “água na boca” e olhos brilhantes como bons franceses descrevendo iguarias, que podem ser as flores do jardim, os acontecimentos do fim de semana, os amigos, e principalmente os sentimentos.

E percebo que tudo pode e deve ser dito. A intimidade abrindo caminho para as obscuridades da alma, as pequenezas do humano e a paixão, aí de novo, escoltando tudo.




As” tranches de jambon” que são compradas por unidades, as “coquilles” também. Nada é desperdício e o cotidiano ganha mais sentido. O singelo ganha corpo , espaço e nobreza.

Sempre volto de lá embebida nessas convicções, nesse desejo de viver o essencial. Liberar minha casa dos excessos, minha mesa dos exageros, aprender a saborear o bago da uva deliciosa por inteiro, até o fundo da minha alma .

Merci mes chers amis .



 

17.10.11

Nuvens de Algodão Doce



Estar em Paris me coloca em um estado tão especial, que busco concretudes que me confirmem que é verdade .
Vivo essa “beliscada”  todo dia pela manhã ao sair de casa , entrando na cidade e repetindo rituais prosaicos.





Caminho por certas ruas de “meu bairro”, acendo vela na Notre Dame, compro uma escova de dente (várias na verdade) na “minha farmácia” onde a proprietária e a atendente me conhecem, (sem nunca nos apresentarmos...). Não falam nada, sorriem, e no seu olhar certificam - que bom,... você aqui de novo! E eu resplandeço de alegria !

Ampliando a categoria existem os marcadores gastronômicos que me divertem mais ainda. Comer uma “brioche caramel”  na Blé Sucré, tomar um”café crème” com “croissant” no Faubourg, correndo a caminho do metrô . Beber um “ballon de rouge” no meio da tarde em qualquer mesinha de rua onde a luz pareceu linda.

 



E entre esses pequenos prazeres gastronômicos tem que ter um café com  macaron na Ladurée.

Os macarons dessa doceira já foram aclamados como os melhores do mundo. Hoje tem outros concorrentes de peso (  Pierre Hermé, Sadaharu Aoki, Pain de Sucre, Jacques Genin...)  mas os dali são “os” clássicos, os que tem esse poder de me assegurar que cheguei ! Estou aquiiiiii !!!!!





Por isso quando ganhei de presente o livro que traz as receitas doces da casa, adorei ! Ele vem em uma caixinha, como se fosse a “célebre” de macarons. Você abre e debaixo do papel de seda lilás lá está ele,  lindo ! Com capa de camurça verdinha pastel, (outro ícone da “maison” ) traz 100 receitas  simplificadas para que qualquer um ouse se aventurar. As fotos  fazem jus a todo o refinamento da casa, e, das coisas mais lindas de Paris . 

Folhear o livro propicia minha pausa diária de sonho, presente maior que a amiga querida, nem  podia imaginar ao trazê-lo de lá para mim. Merci.





Ladurée Sucré 
Philippe Andrieu (chef pâtissier de Ladurée) com fotos de Sophie Tramier
Ed Chêne


14.10.11

Carinho Empacotado



 
























Acabo de ganhar uns chás vindos diretamente de Bruxelas.
Adoro chás e estes são especialíssimos nas formas e no conteúdo. Olhe como são lindos !

O L’Univers Du Thé vende chás de alta qualidade, a granel,  vindos de todas as grandes regiões produtoras do mundo. Tem chás brancos, verdes, pretos, semi fermentados, naturais e perfumados.

Pela ordem, coloco a descrição (copiada) dos que ganhei.

Chá branco perfumado - Blanc Sortilège
Rico em antioxidantes, ao qual os chineses atribuem propriedades curativas se distingue por seus botões em forma de agulhas prateadas. É uma sedutora mistura delicada, redonda e fina, sutilmente sublinhada por toques de damasco e maracujá, salpicada de pétalas de rosas.

Chá Preto - Earl Grey Celeste Bio
Este chá preto Yunnan* da China, produto de agricultura biológica é caracterizado por uma nota que remete delicadamente ao mel. Notável composição que associa a bergamota da Calábria com muitas flores (azuis) de “bleuets”. Um chá refinado que alegrará aos mais exigentes.
(*Grand Yunnan Superieur –Um clássico para os conhecedores)

Chá Verde perfumado - English Cottage Bio
Este chá verde Long Jing* ( Puits du Dragon – (poços do dragão ?)) da China, fruto de agricultura biológica se caracteriza por um perfume delicado e um gosto doce e sedoso.Tem bouquet aromático refinado com uma nota ligeiramente acidulada sublinhada por cascas de limão e laranja, mirra, gengibre e camomila. Um chá que trará prazer imenso aos amantes que procuram frescor intenso.
(* Long Jing Bio – Puits de Dragon .O gosto lembra castanhas.)

Chá branco perfumado- China White Jasmin
As folhas selecionadas do chá são secas ao sol e depois misturadas às flores de jasmim. Em seguida as flores são retiradas uma a uma.( que luxo !!!) Este trabalho minucioso permite obter-se um grand cru de sabor arredondado e com uma nota delicadamente perfumada. Rico em antioxidantes é um chá que os iniciados vão adorar.

Algumas regras de ouro para preparar uma excelente taça de chá !
A fórmula ideal passa por 4 elementos essenciais :
A qualidade das folhas e sua quantidade, e a qualidade da água e sua temperatura. Divirtam-se !

 
L’Univers Du Thé
rue Bodenbroek 14
B - 1000 BRUXELLES
[Grand Sablon]
tél +32 (0)2 513 20 67
Aberta de terça a domingo das 11h às 18,30h
 

15.9.11

Efemérides



Domingo  eu vi uma senhorinha morrer. Sentadinha na sua cadeira ao sol, quietinha, morreu. Apagou como um vela soprada por vento cálido. Singelamente, como só a vida e a morte podem ser.

Posso chocar algumas pessoas que aqui venham e leiam isso. Mas foi coisa simples, natural. Só fiz rezar por sua alma viajante.

Não a conheci antes de vê-la ali sentada quieta, em sua cadeira de rodas, arrumadinha, linda,como qualquer vovó de conto de fada. Não sei há quantos anos estava nessa situação, já tinha avançado bem os 90.


Ando com o filme Cerejeiras em Flor na cabeça desde que fui buscá-las no Parque do Carmo. Li que ali havia um festival Hanami * tupiniquim, tão esplendoroso como os do Japão. Peguei metrô e ônibus sozinha, não arranjei companhia para o passeio que terminou  em decepção.

Esqueceram de soprar às árvores plantadas ali, que todas deveriam florir em conjunto. Por isso encontrei meia dúzia de cerejeiras floridas espalhadas em um gramado bem grande. Não vi nenhuma daquelas massas cor de rosa que eu havia idealizado,  inspirada  pelas imagens do cinema.


Mas a falta das flores não embatucou a lembrança  de todos os sentimentos  que o filme me havia suscitado.

Para os japoneses as flores delicadas, são vistas como uma metáfora para a própria vida, luminosa e bela mas efêmera e transitória.


No filme, a vida num momento sutil se extingue, e um marido tem que enfrentar uma viagem imensamente longa para se pacificar no seu amor.

No meu passeio solitário por aquelas poucas flores  percebi que nem tudo acontece como no cinema. Se a vida pode se transformar de um instante para o outro, o que fazer das palavras que não se disse, do afeto que não se mostrou, da desculpa que não se pediu, do carinho que mesquinhou.

Pensei - livra-me da angustia desse vão imenso que se instala quando a vida nos diz: trouxe uma reviravolta comigo.

Sorrindo escolhi ser uma pessoa melhor.

Eu nunca havia visto ninguém morrer. Abriu-se uma fenda
 imediatamente dentro de mim.

*Hanami - quer dizer “ver as flores”, no caso, das sakura, cerejeiras japonesas

9.9.11

Doce Ano Novo


Neste mês,  comemora-se o Rosh Hashaná, ano novo judaico.  Costuma-se por isso, presentear os amigos e parentes com doces feitos de mel e frutas, preconizando um ano doce e farto para todos.
Nada melhor que o Panforte para simbolizar esse anseio.
Queridos amigos, por favor, façam suas encomendas com antecedência para que eu possa agradar e adoçar a todos.
Muito obrigada, Shana Tova.

4.9.11

Iupiiiii !!!

Aquedutos romanos Tarragona - Espanha - Foto Pamela Mc Creight
Todo estilista e fotógrafo de culinária tem que ter um hamburguer em seu portfólio. Por isso o II Food Photo Festival Tarragona (que acontece na Espanha  de 29 de setembro a 2 de outubro)  abriu inscrições para que fotógrafos e estilistas, do mundo todo, mandassem seus hamburgueres. Os 20 mais interessantes foram selecionados para uma exposição que ocorrerá durante o evento.

Trabalhando com meu querido amigo fotógrafo Augusto Bartolomei, decidimos na brincadeira, mandar alguns de nossos hamburgueres.

E não é que, sem brincadeira nenhuma, fomos selecionados ?

Foto do Augusto, estilismo de culinária meu, nosso hamburguer feito para a cadeia de  restaurantes América, de SP,  estará se exibindo na Espanha !

Viva, viva, viva !!!!

26.8.11

Oração


         Meu deus, livra-me de mim. Pai, continua a ser o nosso pai. Faz com que a nossa vida seja o sinal de outra vida. Ajuda-nos a aceitar, na incerteza destes dias que parecendo ser tudo nada são, o que chega e o que vai. Não nos deixes desesperar mais do que o necessário para continuarmos despertos e para que depois possamos descansar na tua paz. Continua a mostrar-te sem nunca te vermos porque não somos dignos da tua presença e enorme é a nossa aflição. Fizeste-nos à tua imagem e sem ti enlouquecemos. Quiseste que só te encontrássemos com a alma e perdemo-nos com os olhos da distracção. Acompanha o meu filho e os filhos de todos os outros, por mais que se percam que te possam de novo encontrar. Perdoa-nos as palavras injustas, a insensatez dos nossos actos, a grande ignorância que se esconde na nossa vaidade. Ajuda-nos a ser fiéis ao que prometemos, assusta-nos quando levianamente
trocamos o que importa pelo que não tem importância, castiga-nos quando julgarmos que sozinhos conseguimos fazer o que seja.

Somos feitos de ossos, pele e carne. E de uma parte divina que quer voltar a ti, nosso pai.


Pedro Paixão – Viver todos os dias cansa  - Edições Cotovia – Lisboa 1995

11.8.11

Mais Presentes

Um presente lindo que ganhei  hoje.
Estou no Come-se .
Neide Rigo me lambuza de palavras lindas !
Obrigadíssima .

4.8.11

Estilismo

Petite Friture - Mathilde de L'Ecotais

Estarei hoje e amanhã na Escola Wilma Kovesi dando aulas de Estilismo de Culinária para fotografias e afins. Sejam bem vindos !

28.7.11

Presente


Hoje recebi um presente muito lindo que quero partilhar aqui com vocês, um tanto encabulada.
Minha querida  Ale Blanco escreveu um post lindo no seu Comidinhas.
Ale escreve que é uma gostosura , e visitá-la  é sempre um prazer.
Hoje divido com vocês a minha emoção de me encontrar por lá.
Muito obrigada amiga.

23.7.11

Meu Panforte

Foto Augusto Bartolomei - Estudio Bê
Lembranças da infância, quando cercadas de cheiros e sabores, descortinam territórios de afeto. Como cozinheira, me vejo muitas vezes tentando resgatar esses gostos sutis e impalpáveis.   

Descendo de uma família de italianos, na qual as sobremesas eram quase sempre frutas. Cresci comendo pouco açúcar, que se fazia presente em alguns raros doces, marcados em minha memória.

Às vezes, alguém trazia da Itália um panforte, doce toscano da vila de Siena. Era uma celebração! As cozinheiras da família tentavam então reproduzir a receita original do festejado estrangeiro . Sempre me pareceu que o segredo se escondia na mistura de especiarias e frutas, em delicado equilíbrio para alcançar a harmonia. Com o passar do tempo, fui madurando minha própria receita de panforte.

Foto Augusto Bartolomei - Estudio Bê

Trata-se de um doce muito particular, porque não é bolo e muito menos pão. Suas origens são bastante antigas, remontam à Idade Média. O panforte tem uma consistência ao mesmo tempo firme e macia em seu aglomerado de frutas secas, mel e especiarias.

Acho esse doce muito intrigante. Ele tem uma “natureza” viva. A cada pedaço que mastigamos aparece um grupo de sabores, conforme provamos a amálgama da mistura. Sempre há uma surpresa. Talvez por isso o panforte tenha me fisgado desde criança. .

Quando resolvi comercializá-lo, adotei para meu panforte o mesmo nome de meu blog, Delícias & Paisagens . Guiados  pelos sentidos do gosto e do olfato, convido-os a visitarem paisagens distantes, reais ou imaginárias e torço para que nessa “viagem “se reencontrem com suas próprias  doces reminiscências.

Giovanna Garzoni - Limões e abelha (c. 1650)

16.7.11

Memória de Paisagens


Diz a lenda que vieram da casa de “Pederneiras”,  lugar mítico que jamais conheci, nem de longe, onde meu avô era o médico da pequena cidade. Minha mãe vivera ali a primeira adolescência nos intervalos de  férias do internato, na década de 30. Desde que me conheço por gente, volteavam e arrematavam um pátio da casa de minha avó, agora na Rua Pedroso, pois a acompanharam  na mudança para SP . Cresci olhando para eles . Eram azulejos art nouveau com relevos, compondo uma cena aquática onde cisnes branquíssimos nadavam em linha reta sobre ondas de um azul profundo, intercalados por nynphéas,  “vitória régias” francesas do fim  do século XIX. Seus tons  de azul e verde eram limpos e claros e me fascinavam.

Quando esta casa foi desapropriada e demolida para a construção do Viaduto Pedroso, os azulejos foram novamente retirados e transportados até a obra que minha mãe construía em uma chácara, estágio preparatório para sua aposentadoria. Alguns adornaram o banheiro e outros enfeitaram um poço que ficava num meio de caminho de jardim. Meus pais viveram alguns anos ali, até que,  depois de uma doença comprida,  meu pai morreu
Minha mãe, mulher seca,  forte, independente e mandona, resolveu continuar sozinha no mato. Os anos foram passando e essa opção foi se mostrando cada vez mais inviável. Até que um dia  a onipotência começou a dar espaço para o medo e a solidão gritou mais forte . Ela decidiu que era tempo de voltar para a cidade.A chácara seria vendida e a única coisa que pedi foram os azulejos.
Sabendo da sua antiguidade  , da beleza e do valor muito além do sentimental, comecei a pesquisar quem poderia ir retirá-los dali sem danificá-los. Enfim já eram relíquias !
Mas infelizmente não consegui ser mais rápida que o destino.
Certo dia, indo ver minha mãe, ela me avisou que eu devia passar com o carro pela garagem, que os azulejos estavam ali a minha espera. Solícita, havia mandado o caseiro com sua  marreta   e formão retirar todos eles para que eu os levasse.Quando cheguei à garagem, não podia acreditar no que via, cacos estilhaçados dos mais belos azulejos que eu havia visto na vida enchiam duas caixas. Não havia sequer um inteiro. Todos lascados, quebrados, desintegrados. Fiquei em estado de choque. O vazio foi tão imenso e profundo que não deu nem para chorar.
Eu não sabia naquele momento,  mas eram os primeiros sinais de Alzheimer que se manifestavam em minha mãe.